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PRESCRIÇÕES EDUCATIVAS PARA AS CRIANÇAS ANORMAIS

23 de agosto de 2022 Por: Bárbara Matoso
Montagem de fotos sobre crianças na sala de aula, em tom laranja.

A educação das crianças com deficiências, transtornos ou impedimentos de quaisquer ordens foi, historicamente, marcada pelas elaborações de médicos, psiquiatras e psicólogos. Os debates acerca da educabilidade desse público se iniciam ainda no século XVIII com as crianças surdas e cegas e no século XIX, a educação das crianças com deficiência intelectual ganha centralidade no cenário mundial (PLAISANCE, 2005; SANTIAGO, 2005; FERREIRA, 2016). De origem europeia, especificamente francesa, a categoria criança anormal era ampla com diversos grupos e subgrupos que dentre outros aspectos englobava casos de deficiências físicas, sensoriais, os idiotas, retardados, imbecis, débeis, crianças órfãs, abandonadas, com dificuldades de aprendizagens, problemas comportamentais e inúmeros outros casos. (LIMA, ASSIS E BORGES, 2021; ASSIS, OLIVEIRA E LOURENÇO, 2020; BORGES, 2014, 2015) Diante das concepções e classificações da anormalidade, surgem diversos tipos de prescrições teórico-metodológicas para orientar a prática dos professores, a escola e o lugar que ocupariam as crianças que escapassem à norma, seja ela biológica, psicológica ou social. Não havia, consenso sobre quais métodos, espaços ou estratégias deveriam ser adotadas para educar tais crianças. Ressaltamos também que as concepções aqui demonstradas são fortemente atravessadas pelos movimentos eugênicos e higiênicos presentes no Brasil e no mundo nos primeiros anos do século XX. Vista como norteadora das faculdades morais e intelectuais, a educação e a instrução ganharam centralidade no começo do século passado. Surgiu, então, o problema de como educar alunos que apresentavam ritmos mais lentos de aprendizagem ou crianças cujas deficiências físicas e intelectuais tornavam mais difíceis sua adaptabilidade à escola. Neste sentido, intelectuais brasileiros (PERNAMBUCANO, 1918; OLINTO, 1934; AZEVEDO, 1936; FONTOURA, 1961) diferenciaram) diferenciaram os tipos de anormais em dois grupos: os verdadeiros e falsos anormais ou mesmo em perfectíveis e não perfectíveis de aperfeiçoamento. A partir disso, indicava-se tratamento/educação em asilos/hospitais psiquiátricos (anormais de asilo: ineducáveis) ou escolas (anormais escolares: educáveis). Para os anormais ineducáveis, as prescrições eram consensuais, pois eram vistos como aqueles que não conseguem adquirir, “pelos métodos habituais do ensino, a média instrução primaria que recebem os outros alunos” (AZEVEDO, 1936, p.214), ou mesmo “incapazes de receber educação systematica” (PERNAMBUCANO, 1918, p,26). Essas crianças deveriam “viver sempre reclusas e assistidas – nos asylos, ou mesmo no seio da família” (BOMFIM, 1917, p.357), pois “se assemelham aos animais” (OLINTO, 1934, p. 260), “vegetam sem que a educação nada possa fazer para minorar-lhes as condições” (AZEVEDO, 1936, p.220). Acreditava-se que os ineducáveis “facilmente descambam para a desmoralisação, o parasitismo, e o crime” (BOMFIM, 1917, p.355). O segundo grupo de anormais compreende aqueles passíveis de educação. Para esses, há uma multiplicidade de prescrições. Manoel José do Bomfim, escrevendoBomfim, escrevendo um dos primeiros manuais brasileiros sobre Noções de Psychologia, em 1917, defendia que as crianças anormais escolares “se bem educadas, poderiam corrigir-se ou melhorar tanto que poderiam viver, depois, a vida commum e livre, como personalidades úteis e moralizadas” (1917, p. 362). Para Bomfim, o processo educativo das crianças anormais deve ser pautado nas particularidades dos diagnósticos bem como na personalidade dos sujeitos. Assim compete à educação a formulação de procedimentos e orientações que, dentre outras coisas, promovesse uma educação individualizada e adequada. Ele preconizava que no processo educativo, “o que convém a um, pode ser altamente inconveniente para outro” (1917, p. 362), chamando nossa atenção para o que seria conhecido como educação sob medida, proposta pelo médico suíço Edouard Claparéde. Ainda sobre os anormais passiveis de educação, Olinto afirmava (1934, p. 260): “a psiquiatria os trata, a pedagogia os educa”. Já Fontoura (1961, p.157), autor do manual Psicologia Educacional, … vai ser bem mais prescritivo e dizer que “em nenhuma hipótese deveriam tais crianças permanecer nas escolas comuns, pois sua presença serve de motivo de chacota para as demais crianças, não sendo possível exigir destas um comportamento científico e compreensivo, como se fossem adultos”. Sua concepção evidencia os debates da época sobre a permanência, na escola, das crianças com deficiências, transtornos ou dificuldades na aprendizagem. Apesar de colocar sua posição contrária, ele preconizava a necessidade de educação dos anormais, apresentando seis aspectos essenciais para tal processo: terapêutica do amor; da compensação; ocupacional ou praxiterapia; aptidões e os interesses do aluno; recreação dirigida e grupo-terapia. A terapêutica do amor consiste em amar o aluno, pois o amor, segundo o autor, é um precioso remédio; a compensação objetivava conquistar o aluno e fornecer-lhe carinho e compreensão que por vezes pode estar em falta em seu lar; a ocupacional visa ocupar esse aluno a fim de canalizar suas energias para qualquer coisa que não o seu desajustamento. Caberia ainda ao professor, identificar as aptidões e os interesses do aluno, bem como organizar a recreação dirigida com fins a promover reeducação e por fim, introduzi-lo no grupo-terapia fazendo-o participar das atividades com seus pares. De maneira geral, o papel da escola seria de estruturação das classes especiais conforme nível mental, aplicando todos os recursos necessários para oferecer melhores condições de vida bem como proporcionar orientação profissional assegurando que tais sujeitos possam desempenhá-las.

Referências:

ASSIS, R. M.; OLIVEIRA, C. R.; LOURENÇO, E. A criança anormal e as propostas de educação escolar na imprensa mineira (1930-1940). Revista Brasileira de Educação, v. 25, p. 1–23, 2020.

AZEVEDO, N. C. Psicologia Educacional. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.

BOMFIM, J. M. Nocões Psychologia. 2a edição ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1917.

BORGES, A. A. P. Enre tratar e educar os excepcionais: Helena Antipoff e a Psicologia na Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais (1932-1942). (Doutorado) Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, 2014.

BORGES, A. A. P. As classes especiais e Helena Antipoff: Uma contribuição à História da Educação Especial no Brasil. Revista Brasileira de Educacao Especial, v. 21, n. 3, p. 345–362, 2015.

FERREIRA, C. M. R. J. Às sombras das escalas: um estudo sobre a concepção de anormal em Alfred Binet. 1a ed. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2016

FONTOURA, A. DO A. Psicologia Educacional. 3a ed. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Aurora, 1961.

LIMA, C. R. O.; ASSIS, R. M.; BORGES, A.A.P. A criança anormal nos manuais de psicologia recomendados às escolas normais (1917 – 1961). In: Congresso Brasileiro de Educação Especial – IX CBEE., 2021, online. Anais CBEE – 2021.

OLINTO, P. Psicologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1934.

PERNAMBUCANO. U. Classificação das creanças anormaes. A parada do desenvolvimento intellectual e suas formas; a instabilidade e a asthenia mental. Recife, Imprensa Oficial, 1918. Disponivel em: https://cuislandora.wrlc.org/islandora/object/lima%3A25992

PLAISANCE, E. Denominações da infância: do anormal ao deficiente. Educ. Soc, v. 26, p. 405–417, 2005.
SANTIAGO, A. L. A inibição intelecual na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

AUTORAS: Cristina Rodrigues de Oliveira Lima
Mestranda no PPGE. Conhecimeneto e Inclusão Social, UFMG.
Universidade Federal de Minas Gerais

Dra. Raquel Martins de Assis
Professora Orientadora no PPGE: Conhecimento e Inclusão Social. UFMG.

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