PráticasMMétodo Decroly no ensino de matemática para os cegos a partir da experiência do Curso de Especialização de Cegos do Instituto Caetano de Campos (1945-1966).
Método Decroly no ensino de matemática para os cegos a partir da experiência do Curso de Especialização de Cegos do Instituto Caetano de Campos (1945-1966).
5 de julho de 2022
Por: Bárbara Matoso
Com a finalidade de destacar as práticas de ensino do campo da Educação Especial no Brasil, vale considerar uma importante ação ocorrida no Instituto de Educação Caetano de Campos em São Paulo. Trata-se da adoção do método Decroly para a educação matemática no curso de Especialização para o Ensino de Cegos, vigente de 1945 a 1966. Este curso de formação de professores especialistas foi criado após a iniciativa de um grupo de estudos composto pela professora Zuleika de Barros Martins Ferreira, catedrática da disciplina Metodologia e Prática de Ensino Primário, e pelas suas alunas do terceiro ano do curso normal. O grupo desenvolveu práticas renovadoras para o ensino de pessoas cegas, consagradas na época. Estudaram e experienciaram o método Decroly nos alunos internados no Instituto para cegos Padre Chico na capital paulista. Zuleika se inspirou neste método para formar tanto professores normalistas quanto especialistas no ensino de crianças cegas. Seu interesse foi motivado por sua aluna Dorina de Gouvêa Nowill, a primeira aluna com deficiência visual a frequentar o curso normal da Escola Caetano de Campos. Após essas ações, o curso foi reconhecido, oficializado e se tornou referência no Brasil, sendo considerado o primeiro, em escola pública, a formar professores especialistas no ensino de cegos. Há de se considerar que, naquele tempo, a maior parte dos professores que ensinavam as pessoas cegas não possuíam formação pedagógica, apenas o curso ginasial. Os ex-alunos se tornavam professores nas instituições em que se formavam ou ministravam aulas particulares para quem optava pelo ensino residencial. O método Decroly, também conhecido como centro de interesses, foi desenvolvido pelo médico belga Jean-Ovide Decroly (1871-1932) no início do século XX. Ele o experienciou na École d’Ermitage, em Bruxelas, famosa por ser uma escola nos moldes do ideário da Escola Nova. Esse movimento mundial, iniciado no período entre guerras, buscava modificar o homem por meio da educação. Para tal fim, seus adeptos difundiam modelos pedagógicos considerados renovadores para o período, que consistia em tornar a criança o centro do processo de ensino. Entre estes modelos pedagógicos estava o método Decroly, que inicialmente circulou em escolas estadunidenses e europeias até desembarcar no Brasil na década de 1930. Foi adotado em programas de ensino de cursos de formação de professores para o ensino regular. A proposta de ensino renovadora, também alcançou a formação de professores especialistas na educação de pessoas cegas da Escola Caetano de Campos (MARQUES, 2013). O centro de interesses de Decroly, consistia em ensinar as crianças a partir de temas do interesse infantil. Priorizava a educação por meio da experiência e da ludicidade. Buscava romper com práticas de ensino fundamentadas apenas na memorização de conteúdos escolares e sem sentido para a vida do aluno. As atividades educacionais deveriam seguir a tríade processual Observação, Associação e Expressão. Desse modo, as atividades iniciariam com a observação de objetos ou fenômenos. Na sequência, tais atividades deveriam proporcionar a associação do conhecimento prévio do aluno, ao novo conhecimento por meio de comparação. Ao final, eles externalizariam seu conhecimento através de trabalhos manuais ou oralmente. Os recursos didáticos utilizados nas aulas deveriam ser inéditos, planejados pelo professor, privilegiando o tema do centro de interesse. Os jogos educativos eram indicados com a finalidade de treinar e fixar o conteúdo aprendido. Sua aplicação proporcionaria a abstração, sem tornar o ensino maçante. As orientações dadas para o ensino de pessoas cegas não se diferenciavam das orientações dadas para o ensino regular. Posicionando a lente no ensino de matemática, as pessoas com deficiência visual aprendiam com o auxílio de contadores mecânicos, como exemplo o aparelho de soroban. Mas para manipular este modelo de contador, o aluno precisaria primeiramente compreender o sistema de numeração decimal. Com essa finalidade, a professora Zuleika incorporou o método Decroly no plano de ensino do curso de Especialização para o Ensino de Cegos por considerar que o método atendia a necessidade da pessoa com deficiência visual, devido à experiência vivenciada com sua aluna Dorina. Em 1945, este plano de ensino orientou as práticas das normalistas que atuariam no primeiro ano do curso primário do Instituto para cegos Padre Chico. Guiadas por este plano, as normalistas preparavam as aulas, confeccionavam os recursos didáticos e usavam objetos do cotidiano para a realização das atividades. O tema do plano de ensino criado pela professora Zuleika era A música, na ocasião, temática de interesse dos alunos. As matérias eram ensinadas interdisciplinarmente, contemplando o programa de ensino oficial para o curso primário. No que se refere ao ensino de matemática, a professora orientou o ensino de conceito de número e o ensino de cálculo, graduando o nível de dificuldade destes conteúdos disciplinares. Orientava iniciar ensinando um número de cada vez ou a fração dele. As atividades deveriam ser preparadas com materiais concretos e inéditos. As professoras deveriam formular historietas referentes ao número ensinado e/ou ao cálculo. Os indícios das práticas iniciadas no curso de Especialização para o Ensino de Cegos do Instituto Caetano de Campos podem ser observados na cultura escolar da atualidade. Um exemplo destes indícios pode ser visto no manual didático publicado em 2006, denominado “A construção do conceito de número e o pré-soroban”, referência para a formação de professores da educação especial na rede pública e privada de ensino. Este manual traz a compilação de estudos e as experiências de pesquisadores matemáticos no ensino de pessoas cegas. É considerado modelo das práticas bem-sucedidas nas escolas brasileiras. Traz orientações para a prática do ensino do conceito numérico e do sistema de numeração decimal, antes que o aluno aprenda a manipular o soroban. Indica modelos de atividades lúdicas como jogos educativos, dramatizações e brincadeiras. A proposta deste manual é evitar a mecanização do ensino de matemática para pessoas com deficiência visual e considerar o interesse infantil nas atividades pedagógicas. Tais orientações são ideias apropriadas diretas ou indiretamente do modelo pedagógico idealizado por Decroly que circulou no país no início do século XX (MARQUES, 2013).
Referências: FERNANDES, Cleonice Terezinha. A construção do conceito de número e o pré-soroban. Brasília: MEC/SEESP, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/pnaes/192-secretarias-112877938/seesp-esducacao-especial-2091755988/12668-a-construcao-do-conceito-de-numero-e-o-pre-soroban. Acesso em: 11 ago. 2020.
MARQUES, Josiane Acácia de Oliveira. Zuleika Martins Ferreira: A formação de professores e as práticas inovadoras na educação matemática e no ensino de pessoas cegas na Escola Caetano de Campos (1911-1955). In: VIDAL, Diana Gonçalves.; VICENTINI, Paula Perin. (Org.). Mulheres inovadoras no ensino (São Paulo, séculos XIX e XX). 1ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2019, v. 1, p. 275-286.
MARQUES, Josiane Acácia de Oliveira. O curso de especialização para o ensino de cegos do Instituto Caetano de Campos e o método de Decroly no ensino de matemática (1945-1966). 2021. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. doi:10.11606/T.48.2021.tde-14072021-170449. Acesso em: 2022-05-31.
AUTORA:
Josiane Acácia de Oliveira Marques Instituto Federal de São Paulo
Método Decroly no ensino de matemática para os cegos a partir da experiência do Curso de Especialização de Cegos do Instituto Caetano de Campos (1945-1966).
Com a finalidade de destacar as práticas de ensino do campo da Educação Especial no Brasil, vale considerar uma importante ação ocorrida no Instituto de Educação Caetano de Campos em São Paulo. Trata-se da adoção do método Decroly para a educação matemática no curso de Especialização para o Ensino de Cegos, vigente de 1945 a 1966. Este curso de formação de professores especialistas foi criado após a iniciativa de um grupo de estudos composto pela professora Zuleika de Barros Martins Ferreira, catedrática da disciplina Metodologia e Prática de Ensino Primário, e pelas suas alunas do terceiro ano do curso normal. O grupo desenvolveu práticas renovadoras para o ensino de pessoas cegas, consagradas na época. Estudaram e experienciaram o método Decroly nos alunos internados no Instituto para cegos Padre Chico na capital paulista. Zuleika se inspirou neste método para formar tanto professores normalistas quanto especialistas no ensino de crianças cegas. Seu interesse foi motivado por sua aluna Dorina de Gouvêa Nowill, a primeira aluna com deficiência visual a frequentar o curso normal da Escola Caetano de Campos. Após essas ações, o curso foi reconhecido, oficializado e se tornou referência no Brasil, sendo considerado o primeiro, em escola pública, a formar professores especialistas no ensino de cegos. Há de se considerar que, naquele tempo, a maior parte dos professores que ensinavam as pessoas cegas não possuíam formação pedagógica, apenas o curso ginasial. Os ex-alunos se tornavam professores nas instituições em que se formavam ou ministravam aulas particulares para quem optava pelo ensino residencial. O método Decroly, também conhecido como centro de interesses, foi desenvolvido pelo médico belga Jean-Ovide Decroly (1871-1932) no início do século XX. Ele o experienciou na École d’Ermitage, em Bruxelas, famosa por ser uma escola nos moldes do ideário da Escola Nova. Esse movimento mundial, iniciado no período entre guerras, buscava modificar o homem por meio da educação. Para tal fim, seus adeptos difundiam modelos pedagógicos considerados renovadores para o período, que consistia em tornar a criança o centro do processo de ensino. Entre estes modelos pedagógicos estava o método Decroly, que inicialmente circulou em escolas estadunidenses e europeias até desembarcar no Brasil na década de 1930. Foi adotado em programas de ensino de cursos de formação de professores para o ensino regular. A proposta de ensino renovadora, também alcançou a formação de professores especialistas na educação de pessoas cegas da Escola Caetano de Campos (MARQUES, 2013). O centro de interesses de Decroly, consistia em ensinar as crianças a partir de temas do interesse infantil. Priorizava a educação por meio da experiência e da ludicidade. Buscava romper com práticas de ensino fundamentadas apenas na memorização de conteúdos escolares e sem sentido para a vida do aluno. As atividades educacionais deveriam seguir a tríade processual Observação, Associação e Expressão. Desse modo, as atividades iniciariam com a observação de objetos ou fenômenos. Na sequência, tais atividades deveriam proporcionar a associação do conhecimento prévio do aluno, ao novo conhecimento por meio de comparação. Ao final, eles externalizariam seu conhecimento através de trabalhos manuais ou oralmente. Os recursos didáticos utilizados nas aulas deveriam ser inéditos, planejados pelo professor, privilegiando o tema do centro de interesse. Os jogos educativos eram indicados com a finalidade de treinar e fixar o conteúdo aprendido. Sua aplicação proporcionaria a abstração, sem tornar o ensino maçante. As orientações dadas para o ensino de pessoas cegas não se diferenciavam das orientações dadas para o ensino regular. Posicionando a lente no ensino de matemática, as pessoas com deficiência visual aprendiam com o auxílio de contadores mecânicos, como exemplo o aparelho de soroban. Mas para manipular este modelo de contador, o aluno precisaria primeiramente compreender o sistema de numeração decimal. Com essa finalidade, a professora Zuleika incorporou o método Decroly no plano de ensino do curso de Especialização para o Ensino de Cegos por considerar que o método atendia a necessidade da pessoa com deficiência visual, devido à experiência vivenciada com sua aluna Dorina. Em 1945, este plano de ensino orientou as práticas das normalistas que atuariam no primeiro ano do curso primário do Instituto para cegos Padre Chico. Guiadas por este plano, as normalistas preparavam as aulas, confeccionavam os recursos didáticos e usavam objetos do cotidiano para a realização das atividades. O tema do plano de ensino criado pela professora Zuleika era A música, na ocasião, temática de interesse dos alunos. As matérias eram ensinadas interdisciplinarmente, contemplando o programa de ensino oficial para o curso primário. No que se refere ao ensino de matemática, a professora orientou o ensino de conceito de número e o ensino de cálculo, graduando o nível de dificuldade destes conteúdos disciplinares. Orientava iniciar ensinando um número de cada vez ou a fração dele. As atividades deveriam ser preparadas com materiais concretos e inéditos. As professoras deveriam formular historietas referentes ao número ensinado e/ou ao cálculo. Os indícios das práticas iniciadas no curso de Especialização para o Ensino de Cegos do Instituto Caetano de Campos podem ser observados na cultura escolar da atualidade. Um exemplo destes indícios pode ser visto no manual didático publicado em 2006, denominado “A construção do conceito de número e o pré-soroban”, referência para a formação de professores da educação especial na rede pública e privada de ensino. Este manual traz a compilação de estudos e as experiências de pesquisadores matemáticos no ensino de pessoas cegas. É considerado modelo das práticas bem-sucedidas nas escolas brasileiras. Traz orientações para a prática do ensino do conceito numérico e do sistema de numeração decimal, antes que o aluno aprenda a manipular o soroban. Indica modelos de atividades lúdicas como jogos educativos, dramatizações e brincadeiras. A proposta deste manual é evitar a mecanização do ensino de matemática para pessoas com deficiência visual e considerar o interesse infantil nas atividades pedagógicas. Tais orientações são ideias apropriadas diretas ou indiretamente do modelo pedagógico idealizado por Decroly que circulou no país no início do século XX (MARQUES, 2013).
Referências:
FERNANDES, Cleonice Terezinha. A construção do conceito de número e o pré-soroban. Brasília: MEC/SEESP, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/pnaes/192-secretarias-112877938/seesp-esducacao-especial-2091755988/12668-a-construcao-do-conceito-de-numero-e-o-pre-soroban. Acesso em: 11 ago. 2020.
MARQUES, Josiane Acácia de Oliveira. Zuleika Martins Ferreira: A formação de professores e as práticas inovadoras na educação matemática e no ensino de pessoas cegas na Escola Caetano de Campos (1911-1955). In: VIDAL, Diana Gonçalves.; VICENTINI, Paula Perin. (Org.). Mulheres inovadoras no ensino (São Paulo, séculos XIX e XX). 1ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2019, v. 1, p. 275-286.
MARQUES, Josiane Acácia de Oliveira. O curso de especialização para o ensino de cegos do Instituto Caetano de Campos e o método de Decroly no ensino de matemática (1945-1966). 2021. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. doi:10.11606/T.48.2021.tde-14072021-170449. Acesso em: 2022-05-31.
AUTORA:
Josiane Acácia de Oliveira Marques
Instituto Federal de São Paulo