EDUCAÇÃO EMENDATIVA

5 de julho de 2022 Por: Bárbara Matoso
Montagem de fotos sobre crianças na sala de aula, em tom laranja.

As primeiras referências à Pedagogia Emendativa ocorreram no fim da década de 1890, na obra da Doutora Maria Montessori (1870-1962), como equivalente à educação especial. Durante o Primeiro Congresso Pedagógico realizado em Turim, na Itália, Montessori defendeu que era possível educar as pessoas consideradas com deficiência, e que deveriam ser criadas classes incluídas nas escolas primárias. A proposta de Montessori incluía uma formação específica para os professores encarregados de educar esses alunos, e mobilizou de tal forma os participantes do Congresso que o Ministro da Educação da Itália, o médico Guido Baccelli (1830-1916), propôs que Maria Montessori mantivesse os cursos especializados nas Escolas Normais italianas (CHI ERA…, [20–]). No Brasil, o termo Educação Emendativa foi utilizado a partir da década de 1930 até meados dos anos de 1960. Inicialmente, o termo emendativo pressupunha que as pessoas com deficiência deveriam ser corrigidas. De acordo com Jannuzzi (2012, p. 60) emendare (latim) significa “corrigir falta, tirar defeito”. Foi nesse sentido que o médico Armando Lacerda definiu a pedagogia emendativa: A pedagogia emendativa tem, por fim, suprir falhas decorrentes da anormalidade, buscando adaptar o educando ao nível social dos normais. No que concerne ao surdo-mudo esse desideratum é alcançado por intermédio de linguagem e do correspondente desenvolvimento intelectual (LACERDA, 1934, p. 6). Em 1934, o Decreto nº 21.069, de 20 de fevereiro de 1932, decretou no 1º artigo que o Instituto Benjamin Constant e o Instituto Nacional de Surdos-Mudos deveriam preparar especialistas para o ramos da educação emendativa, com o mesmo sentido de corrigir os cegos e surdos (BRASIL, 1932). Constata-se, no entanto, uma mudança significativa no público-alvo na definição de Educação Emendativa de Leoni Kaseff, quando propôs que essa área de conhecimento fizesse parte do Plano Nacional de Educação – que na ocasião era elaborado pelo Conselho Nacional de Educação. O primeiro artigo dessa proposta estabelecia que o objetivo dessa modalidade de ensino seria “suprir a deficiência de adaptação, ao regime escolar comum, […] reconduzindo os anormais ao equilíbrio e rendimento integral de suas funções”. Destinava-se, desta forma, aos “indivíduos atingidos por déficit mental, físico ou afetivo, ou dotados de superior capacidade intelectual” (KASEFF, 1937, p. 735). A proposta para bem-dotados seria “um currículo e andamento de estudos, de acordo com a estrutura e ao ritmos de atividade de seu psiquismos” (KASEFF, 1937, p. 735). Educação Emendativa era também a denominação utilizada pela professora Helena Antipoff e seus colaboradores, tanto para a educação das pessoas com deficiência quanto para a formação de professores. Eles adotaram desde a década de 1930 a terminologia norte-americana (excepcional children) para determinarem quem seria o público-alvo da Educação Emendativa. (ANTIPOFF; NARDELLI, [19–]). Assim como Leoni Kaseff, esses educadores incluíram no grupo as crianças superiormente dotadas. Quando o grupo de alunos superdotados foi incluído no grupo de excepcionais, o sentido de emendativo como “correção” se perdeu. O termo excepcional é interpretado de maneira a incluir os seguintes tipos: os mentalmente deficientes, todas as crianças fisicamente empeçada, os emocionalmente desajustados, bem como as crianças superiormente dotadas; enfim, todos os que requerem consideração especial no lar, na escola e na sociedade. (ANTIPOFF; NARDELLI, [19–]). Percebe-se que essa definição retira o foco do excepcional e aborda a questão social e a escola. Detecta-se, aqui, a influência dos professores de Helena Antipoff no Instituto Jean Jacques Rousseau de Ciências da Educação nos anos de 1912-1913 (ARCHIVES INSTITUT J.-J. ROUSSEAU, [20–]), especialmente de Édouard Claparède (1873-1940) e de Mlle Alice Descoeudres (1877-1963), que lecionava a disciplina de classes especiais. Os cursos de formação de professores para a Educação Emendativa oferecidos por Antipoff e seus colaboradores nas décadas de 1950, 1960 e 1970 no Instituto Superior de Educação Rural (ISER), em Ibirité, Minas Gerais, tinham como pressuposto teórico a Escola Ativa. Descoeudres (1968) estabeleceu cinco princípios para o ensino especial. O primeiro “é a atividade própria do aluno”, considerando que o aprendiz deveria ter a oportunidade de agir corporalmente e intelectualmente e de encontrar respostas por si mesmo. Conforme Lourenço Filho (2002, p. 233), este é um dos princípios da escola ativa, “que concebe a aprendizagem como um processo de aquisição individual”. O segundo princípio “é a educação sensorial e a intuição”, que propõe uma ginástica especial dos órgãos sensoriais: “as crianças serão exercitadas em utilizar essas portas de entrada da inteligência, em inteirar-se das sensações que elas transmitem” (MINAS GERAIS, 1965, p. 33-49). O terceiro principio é o da união estreita com a vida, no sentido de preparar os aprendizes para a vida. O quarto princípio propõe a individualização do ensino, “procurando satisfazer as necessidades de cada criança”, e o último trata da importância de considerar a utilidade do ensino (MINAS GERAIS, 1965, p. 33-49). Pode-se encontrar os princípios da Escola Ativa na proposta dos cursos de formação de professores oferecidos no ISER. Para que pudessem individualizar o ensino que deveria ser oferecido aos seus futuros alunos, detectando as suas necessidades e competências, os professores aprendiam a observá-los: eram estudadas as habilidades motoras, sensoriais e intelectuais teoricamente, aplicando as técnicas pertinentes nas práticas de aula. As observações eram realizadas nas salas anexas disponíveis aos alunos/professores, sendo, posteriormente, elaborados relatórios que serviam de base para a construção de um material didático específico para o desenvolvimento dos aprendizes.

Referências:

ANTIPOFF, Helena; NARDELLI, Áurea. Termo Excepcional. Ibirité, MG: Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff do Memorial da Fundação Helena Antipoff, [. [19–]. (Documento Inédito datilografado).

ARCHIVES INSTITUT J.-J. ROUSSEAU (AIJJR). Contenu de la formation. Université de Genève (on-line), [20–]. Disponível em:
https://www.unige.ch/archives/aijjr/sourcesenligne/institutionnelles/programmes/. Acesso em: 26 set. 2017.

BRASIL. Decreto nº 21.069, de 20 de fevereiro de 1932. Autoriza o ministro da Educação e Saude Pública a reorganizar os Institutos Benjamin Constant e Nacional de Surdos-Mudos, fixa o quadro do pessoal desses estabelecimentos, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Seção 1, p. 37337, 2/3/1932 (Publicação Original). Disponível em: : https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930- 1939/decreto-21069-20-fevereiro-1932-515761-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 27 abr. 2022.

CASSEMIRO, Maria de Fátima Pio. Formação de professores para a Educação Especial: a experiência de Helena Antipoff e seus colaboradores na Fazenda do Rosário na década de 1960. 2018. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS
B5TFXU/1/tese_de_doutorado_maria_de_f_tima_pio_cassemiro_volume_i.pdf?msclki d=9cb985c8c67311ec84d29f7f93aee617. Acesso em: 23 set. 2021.

CASSEMIRO, Maria de Fátima Pio; CAMPOS, Regina Helena de Freitas. Formação de professores para a educação especial – propostas de Helena Antipoff e seus colaboradores na Fazenda do rosário nos anos de 1960. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 25, n. 2, abr.-jun. 2019.

CHIERA, Maria Montessori? Aiutami a fare da me! (on-line), [20–]. Disponível em: http://www.aiutamiafaredame.it/chi-era-maria-montessori/. Acesso em: 15 jan. 2017.

DESCOEUDRES, Alice. A Educação das Crianças Retardadas – Seus Princípios, seus métodos. Aplicação a todas as crianças. 2. ed. Belo Horizonte: Publicações da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, 1968.

JANNUZZI, Gilberta de Martino. A educação do deficiente no Brasil dos primórdios ao início do século XXI. 3. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2012 (Coleção educação contemporânea).

KASEFF, Leoni. Plano Nacional de Educação: suas oportunidades e objetivos. Infância e Juventude, Rio de Janeiro, n. 12, ano 1, Maio de 1937.

LACERDA, Armando. Pedagogia Emendativa do Surdo-Mudo (Considerações Gerais) Rio de Janeiro: Pimenta de Mello & Cia., 1934.

LOURENÇO FILHO, Manoel Bergström. Introdução ao Estudo da Escola Nova. 14. ed. Rio de Janeiro: Eduerj/Conselho Federal de Psicologia, 2002.

MINAS GERAIS. Regulamenta a Educação Emendativa. Boletim Pestalozzi Estudo, Educação e Assistência ao Excepcional. Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, Fazenda do Rosário, Ibirité, n. 7, p. 33-49, 1965.

AUTORA:

Maria de Fátima Pio Cassemiro
Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff

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