Deusina Lopes da Cruz

14 de setembro de 2022 Por: Bárbara Matoso
A imagem é uma fotografia de uma mulher, branca, de cabelos negros e curtos. Está usando um batom escuro e brincos grandes. É possivel ver que sua camisa tem estampa de flores.

A história de Deusina Lopes da Cruz é representativa de experiências de outras mães que tiveram filhos diagnosticados com autismo nos anos 1980 e 1990, momento em que este era considerado uma síndrome rara observada em 1 a cada 2 mil pessoas — os dados atuais abordam uma proporção de 1 para 52 (BRITES, BRITES, 2019). Nascida no Maranhão, mudou-se em 1974 para Brasília onde desenvolveu sua trajetória materna e ativista na causa do autismo. Casou com 22 anos de idade. Em 1979 nasceu seu primeiro filho, Marcos Fabrício. Em 1982 tornou-se mãe de Carlos Felipe. Seu ativismo no campo da deficiência iniciou quando seu filho caçula foi diagnosticado com autismo, em 1986. Protagonizou momentos importantes em relação aos direitos das pessoas autistas no Brasil merecendo destaque sua participação na fundação da ASTECA (Associação Terapêutica e Educacional para Crianças Autistas) – pioneira associação do gênero em Brasília e uma das primeiras a serem fundadas no país. Enquanto integrante da Asteca desenvolveu inúmeros trabalhos voltados para o atendimento e inclusão social e educacional de autistas. Destacamos o projeto realizado pela associação, em conjunto com a Fundação Educacional do Distrito Federal/Departamento de Ensino Especial, que propunha a implantação de classes especiais, voltadas para estudantes autistas em uma escola regular de 1ª à 4ª série representando uma iniciativa inédita em termos de inclusão. Carlos Felipe foi um dos primeiros alunos dessa iniciativa. Na autobiografia, publicada em 2008 pela Editora Mediação, Deusina fala do período em que o filho participou dessa iniciativa como sendo um momento marcado por desafios, mas também por esperanças e conquistas que não se restringiam ao campo pessoal uma vez que, a partir desse projeto, os autistas foram incorporados no sistema educacional do Distrito Federal. Além disso, a experiência de Brasília — associada com outros projetos implementados em outras partes do país — colaborou para que em 1996, no processo de reescrita do Capítulo sobre Educação Especial da Política Nacional de Educação uma importante substituição acontecesse: de “alunos com problemas de conduta” passou-se a utilizar-se a expressão “alunos portadores de necessidades educativas especiais” (DA CRUZ, 2008, p. 60). De acordo com Deusina a mudança representou o reconhecimento dos autistas enquanto alunos que possuem comportamentos típicos ao que hoje denominamos TEA (Transtorno do Espectro Autista) e, portanto, possuem necessidades de aprendizados próprias, mas que devem ser atendidas dentro das modalidades de ensino. O surgimento de outras associações pelo país, e a união destas, possibilitou que em 1988 surgisse a Associação Brasileira de Autismo (ABRA). Deusina foi eleita presidente da instituição e permaneceu no cargo ao longo de 8 anos. Nesta oportunidade, as entidades construíram um documento sobre a Política de Atenção à Pessoa Portadora da Síndrome do Autismo reconhecendo o Autista como sujeito de direitos. Em termos profissionais, a maternidade atípica proporcionou mudanças significativas na sua trajetória profissional. Embora trabalhe para o Estado desde 1978, atuando inicialmente na Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL), em 1990 Deusina foi convidada para participar da equipe do CORDE (Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência). Importante destacar o trabalho realizado junto ao ministério do Desenvolvimento Social e a implementação de serviços voltados para o cuidado e proteção das pessoas com deficiência, em especial o autismo. Ao que diz respeito à trajetória acadêmica, Deusina especializou-se, em 1999, em Habilitação, Reabilitação e Inclusão Social de Pessoas com Deficiência, pela Universidade de Salamanca, Espanha. Em 2011 tornou-se especialista em Políticas Públicas de Proteção e Desenvolvimento Social pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Nessa ocasião escreveu a monografia intitulada Família, deficiência e proteção social: Mães Cuidadoras e os serviços do Sistema Único da Assistência Social (SUAS). Os trabalhos e as formações acima mencionados demonstram um importante deslocamento da sua área de formação — a Economia, pela Universidade Católica de Brasília (UCB) — para uma atuação na área social, em especial voltada para as pessoas com deficiência. A trajetória acima apresentada expressa um longo e árduo trabalho de ressignificação da maternidade, politizando-a, visando o reconhecimento dos direitos não apenas de seu filho, mas de tantos outros Carlos Felipe.

Referências:
BRITES, Luciana; BRITES, Clay. Mentes Únicas. São Paulo: Editora Gente, 2019.

DA CRUZ, Deusina Lopes. Um autista muito especial. Porto Alegre: Editora Mediação, 2008.

DA CRUZ, Deusina Lopes. Família, deficiência e proteção social: Mães Cuidadoras e os serviços do Sistema Único da Assistência Social (SUAS). [monografia especialização] Escola Nacional de Administração Pública –ENAP. Brasília, Distrito Federal. 2011. 108p.

AUTORA:

Bruna Alves Lopes
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)

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